Há quanto tempo a Cultura de Ribeirão Pires é subestimada?

Podemos contar em décadas, já que os anos se acumularam e poucas coisas foram feitas para que o setor cultural do município se desenvolvesse na sua real potência

Entre os dias 21 e 25 de março, a Secretaria de Educação, Cultura e Turismo de Ribeirão Pires, através do Diretor de Cultura Rafael de Castro, apoiado por outros servidores da pasta, convidou artistas e interessados na cultura local para encontros setoriais. Pela primeira vez em anos, a cidade começou a ver um apontamento de interesse em compor a gestão cultural de forma a reconhecer as indicações dos artistas e suas demandas. Os encontros aconteceram no Anfiteatro Arquimedes Ribeiro e foram divididos levando em consideração as linguagens artísticas. Nessa roda o trabalhador e trabalhadora cultural se apresentava e expunha suas contribuições e críticas, os representantes do Departamento de Cultura respondiam o que estava no alcance imediato e se colocavam à disposição para outras pautas que aparecessem fora dessas reuniões.

Uma das indagações realizadas pelos agentes culturais, foi sobre a reforma e reabertura do Teatro Municipal Euclides Menato, fechado para ocupação democrática artística desde a intervenção do bendito projeto de um teleférico, que causou grandes problemas estruturais no prédio. O retorno dado pela SECULT para essa questão foi a informação de que a reforma do piso inferior, onde estão as salas que já foram ocupadas por aulas e pela biblioteca de forma absurda, tem como prazo de entrega das obras o fim do primeiro semestre de 2022. Ufa! Um alívio saber que não perderemos mais um espaço tão importante para o histórico cultural da cidade.

Vamos colocar abaixo, em forma de lista, alguns projetos e propostas apresentados pela SECULT para a retomada do setor cultural após o sofrido período de pandemia:

  • A SECULT solicitou alteração no Decreto 6953/2019, no que diz respeito ao pagamento da taxa de utilização dos espaços culturais administrados pela prefeitura, ficando acordado que os artistas da cidade não terão que pagar a taxa de “aluguel” do espaço e apenas precisarão fazer o repasse de 5% do valor arrecadado na bilheteria ou com vendas, com envio direto do valor para o Fundo Municipal de Cultura. Apresentações de proponentes ou grupos que vierem de fora da cidade, terão uma taxa de ocupação que deverá ser paga via depósito na conta do Fundo Municipal de Cultura e também farão o repasse de 10% do borderô para a mesma conta de destino;
  • O site da prefeitura será atualizado e, com isso, o departamento de cultura vai receber uma aba com mais informações das atividades culturais, assim como um cadastro de artistas que terá como base os dados registrados no Cultura SIM, formulário legitimado em decreto em 2020 que auxiliou e foi de grande importância na implantação da Lei Aldir Blanc. Nesta mesma linha de divulgação das atividades, foi indicado a publicação de uma Agenda de Bolso com datas de apresentações e informações dos artistas e eventos da cidade;
  • Para a área de formação cultural será implantado um projeto que reunirá artistas, interessados no setor cultural e profissionais da área para um grupo de formação e pesquisa em diversas linguagens, conceitos e áreas relacionadas à cultura. Essa proposta, em princípio, será chamada de “Papo Cabeça”;
  • A Biblioteca Municipal também foi pauta dos encontros e, segundo a Diretoria de Cultura, o espaço de fomento à arte editorial sairá do espaço atual e ganhará um novo lugar mais apropriado e com novas tecnologias voltadas para o estímulo literário;
  • Haverá contratação de técnicos de luz e som para suporte, manutenção e atendimento aos artistas da cidade. Foi deixado explícito que essas contratações serão feitas por chamamento público e com solicitação de experiência comprovada na área para participação dos candidatos;

E, por fim, e muito esperado…

Foi confirmado nesses encontros a abertura de um edital com verba vinda do orçamento direto da SECULT para um encontro de artes integradas, onde haverá contratação de artistas e trabalhadores do setor cultural. Esse projeto foi apresentado como parte das propostas de subsídio e estímulo para os artistas da cidade na retomada das ações culturais, reconhecendo a importância da remuneração dos artistas locais e entendendo a economia criativa que isso gera na cidade. O prazo para esse chamamento será ainda nesse semestre, segundo o Departamento de Cultura.

Sobre a experiência…

Depois de uma semana dedicada a ouvir e debater questões da Cultura com os trabalhadores do setor, fica a sensação que essa gestão do Departamento de Cultura está disposta a enfrentar um grande desafio, unir forças com a sociedade civil para amparar o setor que foi o primeiro a parar no início da pandemia e um dos últimos a retomar.

Foi possível ver, também, o quão o movimento cultural está engajado, atento e disposto a colaborar com essa retomada e abertura do poder público. Todos os dias vimos a presença de vários membros do Fórum de Cultura, Conselheiras (os), artistas independentes, representantes de espaços culturais, coletivos e grupos artístico de diversas linguagens, todos com o mesmo objetivo, ver Ribeirão Pires fomentando e valorizando seus artistas e reconhecendo que a nossa cidade serrana tem terras férteis e seus artistas-fruto são capazes de cultivar e florescer aqui, onde podem encontrar apoio e sustentação.

Para ir mais além e não esquecer que boas ações de políticas públicas devem estar enraizadas na rotina do poder público e no radar da sociedade civil, vamos apontar outros caminhos que se malcuidados podem se desviar e atrasar o avanço. Está lá na Constituição Federal de 1988 no Art. 215:

“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Bonito de ser lido, mas difícil de se acreditar quando poucas ou quase nada é feito, são raras as ações concretas para a execução desse direito, por muito tempo, e sim, precisamos falar do passado para entender o presente, por muito tempo vimos grandes “políticas de balcão”. Conhecemos muitos “amigos do rei” e a cidade pagou milhões em cachês para artistas que não eram do município, eles vinham ganhavam cestas de chocolates e saiam com grandes investimentos culturais e turísticos, e o pobre e invisível artista da cidade ficava com as migalhas do pão que o diabo amassou.

A cidade de Ribeirão Pires tem muitas leis que colaboram para um acesso amplo à cultura e colocam os artistas locais como protagonistas, porém, a falta de execução dessas leis e a ausência de fiscalização desses processos de contratação fazem do artista ribeirãopirense figurante na história da sua própria cidade. A lei nº 5765/2013 fala sobre a garantia de participação de no mínimo 50% de artistas locais nos eventos organizados pela Prefeitura Municipal da Estância Turística de Ribeirão Pires, do “espírito” dessa lei tiramos que o certo seria cachês equivalentes e uma estrutura igualitária entre os artistas convidados, que são na maioria das vezes considerados as atrações principais, e os artistas locais, mas essa interpretação justa da lei nem acontece verdadeiramente, o que vimos nos Festivais do Chocolate e em outros eventos são repasses altos para as estrelas “estrangeiras” e ajuda de custo para os artistas moradores da cidade, isso quando tínhamos a participação de atrações de Ribeirão Pires.

Em 2014, a Câmara Municipal da cidade vota e institui o dia 24 de agosto como o Dia do Artista e, sem mais, uma lei com apenas dois artigos e nenhuma diretriz de como reconhecer o artista nesse dia ou em todos os outros. O que podemos esperar para essa data? Cantar parabéns pra você nessa data querida muitas felicidade nas cidades vizinhas que estimulam os artistas e remunera sua atividade, mas aqui a gente só presta homenagem?

No último dia 22, uma “nova” lei sai em defesa dos artistas de rua, logo no primeiro artigo nr. 6714/2021 temos a seguinte indicação:

“Art. 1º – Ficam permitidas manifestações culturais de artistas de rua em espaços públicos, tais como praças, parques, calçadões, vias e ruas de lazer”.

Então, até este momento as manifestações urbanas e culturais não eram permitidas? E Ribeirão Pires já não tinha uma lei desde 2016 que dispunha sobre apresentações em logradouros públicos?

As leis servem de diretrizes para a organização de uma sociedade, elas são criadas para indicar a regra do jogo da convivência e do comportamento dentro de um contexto social – beleza! – mas do que adianta o legislativo criar, copiar e inventar leis se os próprios vereadores não cumprem o dever de fiscalizar a execução dessas regras?

As leis podem ajudar na libertação de uma comunidade assim como limitá-la colocando, por exemplo, horários, regras e outras restrições. Uma cidade sem leis seria infundada, tudo seria possível e nada seria respeitado (isso pensando com uma cabeça condicionada a essa estrutura de sociedade), mas tê-las e não ter consciência dos direitos e deveres que elas nos proporcionam é quase como não as ter. O artista precisa saber das leis que os protegem e as autoridades que fazem a administração e a segurança da cidade precisam saber ainda mais, dar ampla divulgação, fazer formação dos seus servidores e executá-las para além da conveniência que as leis possam trazer para suas gestões.

Uma coisa é certa, as leis são palavras feitas por pessoas que deveriam beneficiar pessoas e, para isso, as pessoas que estão na gestão da cidade, ocupando a câmara municipal e outras pessoas que detém o poder e a responsabilidade da execução dessas leis, deveriam trabalhar para que mais pessoas tenham acesso aos direitos indicados por essas palavras feitas por pessoas eleitas… e, assim, e só assim, com políticas públicas feitas por e para pessoas poderíamos sentir o gosto de viver em uma cidade que está construindo o futuro da gente.

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