História | Por que escrevemos sobre o feminismo?
Um pensamento livre de regras da ABNT ou código de manuais jornalísticos, ligado diretamente a minha observação de mundo

A luta das mulheres por direitos não começa hoje e também não começou ontem com o grito “meu corpo minhas regras”, essa caminhada vem de antes, antes mesmo de ter um nome.
Uma mulher na pré-história já deveria lutar pelo seu pedaço de carne, aposto que mostrava os dentes quando alguma coisa não agradava o seu corpo, e mais avante as mulheres começaram a cultivar e iniciar o que seria hoje a agricultura, sim, a agricultura um ambiente dominado pelo masculino que sempre esteve ligado ao homem do campo, o cultivador. A história escrita por homens minimizou a participação das mulheres nesse período (e em todos os que vieram depois), após séculos de estudos foi comprovado a presença da mulher em várias atividades na pré-história e inclusive na plantação e domesticação de animais. Enquanto o homem saia para caçar a comida, as mulheres aprendiam a cultivar e observar o que o “quintal” podia oferecer. Genial, não é? Pena que não aprendemos a história assim.
Poderíamos passar por todos os períodos revolucionários do nosso conhecido mundo e a gente teria uma mulher ali, criando, descobrindo, estudando, registrando e fazendo história, mas elas não “mereceram” ganhar muitas páginas de livros por um motivo principal, eram MULHERES.
A dona da parada toda, Simone de Beauvoir disse em seu livro ‘O Segundo Sexo’ que uma mulher não nasce mulher, ela torna-se mulher, ou seja, todos nós nascemos e ponto final, depois a sociedade nos colocam em caixinhas de gênero de acordo com o nosso sexo biológico e comportamento aceitável no ambiente em que crescemos, essas caixinhas são denominadas feminino e masculino e em sua maioria já vem com cores e ações pré-determinadas para cada uma delas. Mas a gente é muito mais que pepeca e pipiu, então duas caixinhas não são o suficiente para expressarmos a nossa complexidade, afinal, pensamos, sentimos e agimos com outros órgãos além das genitálias vindas de fábrica.
Vivemos em uma sociedade patriarcal (O Patriarcado é um sistema social em que homens adultos mantêm o poder primário e predominam em funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades – Wikipédia), depois que você leu essas palavras entre parênteses já deve ter percebido que o papel da mulher nessa sociedade não tem muito valor, certo? Pois é, e é este sistema que indica o que é aceitável para um homem (forte – responsável – feito para o ambiente público) e para uma mulher (dócil – irracional – feita para o ambiente doméstico). É com este pensamento limitado que o patriarcado escreve a nossa história, assim fica fácil entender porque somos retratadas como um ser arrastado pelo cabelo pelo homem das cavernas e não como um ser que possibilitou o avanço da nossa espécie, e é por isso também que os homens que escrevem a história não dedicam a nós mulheres grandes páginas de livros, e é por isso que escrevemos sobre feminismo.
O feminismo é um movimento social, político e econômico; social porque somos responsáveis pela educação das crianças, estamos sempre envolvidas com redes de apoio à família, saúde e educação, no âmbito político precisamos diariamente estar dispostas a enfrentar o machismo que ainda afirma que política não é lugar de mulher, mas mesmo assim trabalhamos para transformar nossas experiências domésticas em políticas públicas, contribuir para que o país não se esqueça que somos 51% da população brasileira segundo o IBGE[1], ou seja, apesar de sermos a maioria ainda não ocupamos espaços de poder e decisão política, e um dos motivos é por nascermos com pepeca e além de ter recebido uma educação voltada ao doméstico. E por fim, mas não menos importante, o feminismo é uma luta econômica, o Brasil é um pais onde segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o percentual de domicílios brasileiros comandados por mulheres saltou de 25%, em 1995, para 45% em 2018, devido, principalmente, ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho[2], olhando para os dados numéricos e para as condições que mulheres são submetidas como salários desiguais, assédio moral, tripla jornada fica difícil acreditar que homens ainda se sentem no direito de questionar licença maternidade, precisamos lembrá-los que movimentamos os caixas do Brasil e vamos continuar escrevendo sobre feminismo. Mulheres estão na base da população e sabem o que uma sociedade capitalista e machista pode causar nas famílias de modo geral, afinal de contas sabemos os problemas enfrentados da feira livre ao Planalto Central, não é mesmo Dilma?
Sinto muito pelas professoras de História que terão que explicar esse período do Brasil para os estudantes, tínhamos uma presidenta eleita que foi deposta por crimes nunca comprovados, substituída por um vampiro assustador de sobrenome Temer que abriu a porta dos horrores e ajudou a própria encarnação do capiroto a vestir a faixa presidencial. E por isso escrevemos sobre feminismo.
O último parágrafo deste testículo (ler de forma maliciosa), vou dedicar ao poder de um falo invasor que estupra, mata e destrói vidas femininas. Sim, estou falando de violência doméstica e todas as outras que sofremos pelo simples fato de sermos MULHERES. Durante a quarentena, devido a COVID- 19, a violência contra a mulher aumentou em praticamente todos os estados do Brasil, por exemplo, em São Paulo as ocorrências aumentaram 44,9% comparadas a 2019 no mesmo período. Mulheres ainda morrem por dizerem não ao marido, ainda são torturadas e ameaçadas pelo bem da família e ainda dormem em silêncio por não terem como pedir ajuda. Um macho que foi criado pensando que o badalo é o órgão mais importante de seu corpo esquece de usar o cérebro, o coração e, assim, ainda usa mulheres como propriedade. Um dos maiores avanços da luta feminista em nosso país foi em 2015 com a lei Maria da Penha, tornando crime hediondo o assassinato de mulheres, e mesmo passando 5 anos de lei em vigor nossos delegados e autoridades de segurança ainda tem dificuldades para identificar, prender e fazer cumprir essa lei que pode salvar vidas.
Falei que era o último parágrafo no anterior, mas era mentirinha, na escrita sobre feminismo não existe ponto final enquanto não tivermos direito à liberdade de expressão, direito as escolhas do nosso corpo, direito de ir e vir com segurança independente da roupa que estamos vestindo, enquanto uma mãe preta enterrar seu filho por negligência da patroa branca, não terá ponto final, enquanto existir quartinho de empregada, estereótipo perfeito de corpo feminino, enquanto crime à honra masculina for justificativa pelo dedo no gatilho e um corpo feminino caído no chão. Da pré-história à contemporaneidade precisamos continuar escrevendo sobre o feminismo, escrevendo sobre a luta da liberdade e conquista dos direitos de todas as mulheres.
Esse texto é um pensamento livre de regras da ABNT ou código de manuais jornalísticos e está ligado diretamente a minha observação de mundo.
[1] – Conheça o Brasil – População – QUANTIDADE DE HOMENS E MULHERES
[2] – Quase metade dos lares brasileiros são sustentados por mulheres