Mais um espaço público abduzido!

O disco voador da iniciativa privada pairou sobre a Praça Central de Ribeirão Pires e sugou mais um equipamento público

Ativação na Praça Central de Ribeirão Pires (Foto: Território Livre Fm)

A cidade de Ribeirão Pires vem perdendo seus espaços de Cultura há tempos, os espaços físicos como o Teatro Euclides Menato, a Biblioteca Olavo Bilac, a sala de espetáculo do CEU das Artes na 4ª Divisão – renomeado – e, agora, o palco da Praça Central que corre risco real de ser demolido. Perdemos espaços simbólicos, também, com a falta de escuta e a não transparência nas decisões da gestão cultural da cidade.

Temos um coletivo de artistas que representa os trabalhadores da Cultura e compõe o Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), um lugar físico e simbólico para o diálogo, mas ultimamente o que vemos e ouvimos é a busca incessante pela coerência daquilo que é dito pelo poder público e do que é executado pela prefeitura. A práxis é uma união dialética entre a teoria (a promessa) e a prática (decisões arbitrárias), usando um conceito de Marx com as palavras do Wikipedia, outra dialética.

Praça Central, espaço plural para manifestações artísticas (Foto: Território Livre Fm)

Precisamos entender que o palco da Praça é um espaço que cumpre com as três dimensões da Cultura e não pode (ou não deveria poder) ser tratado como objeto problemático, ficar sucateado para ser negligenciado. O espaço público existe justamente para receber encontros espontâneos, garantir a liberdade de expressão e fortalecer a potência popular. O espaço público precisa ser discutido com a população, que é (ou deveria ser) a maior beneficiada.

Na tarde dessa quinta-feira (9), assistimos de perto o que a falta de responsabilidade e compromisso com as promessas podem fazer. Foi criado pela administração pública e já aprovado pela grande massa de vereadores (menos a Coletiva de Mulheres que votou contra e Amanda Nabeshima que se absteve), o projeto de lei que concede a administração da praça central para a Aciarp, que já vinha trabalhando com a Vila do Doce. O termo de cooperação indica que a partir de agora, desde o espelho d’água até o – nosso – palco está sob jurisdição da empresa privada. Isso não seria um problema se antes de fecharem as cláusulas e contrapartidas tivesse acontecido um diálogo transparente com o Conselho de Cultura, artistas da cidade e a população interessada.

A Cultura é um setor transversal que afeta diretamente o Turismo, Educação, Economia e, indiretamente, a Saúde, Segurança, Assistência Social, Esporte e Lazer. Não é correto indicar que um espaço pertencente a um desses setores diretos ou indiretos a Cultura, não é um espaço artístico, ainda mais se tratando de uma Estância Turística. O palco da praça é um espaço comunitário e é de competência do poder público zelar por ele e a sociedade civil usufruir desse local livremente.

Fazer a gestão de um espaço com tamanha complexidade é difícil mesmo, mas votamos e escolhemos um guardião para que não perdêssemos nossas conquistas como trabalhadores e usuários do serviço público. Esse que deveria ser um aliado, escolhe seus parceiros para juntos construir um futuro da gente, mas com a gente, com escuta apurada, transparência nas decisões, mediando conflitos e considerando o que há de mais valor em uma Democracia: a participação popular.

Ato da sociedade civil durante a Sessão Ordinária na Câmara Municipal de Ribeirão Pires, nessa quinta-feira (9) (Foto: Reprodução)

Artistas gritaram, levaram cartazes, pediram pelo adiamento da votação, mas sem a devida atenção, ignorando completamente a presença das cidadãs e cidadãos, os vereadores preferiram continuar com a “baciada” de decisões injustificáveis. E aí, fica a pergunta, será que eles leram o artigo 215 da Constituição para aprovar um projeto como esse ou conhecem o Plano Nacional de Cultura (PNC), melhor, procuraram o Sistema Municipal de Cultura (SMC) da cidade?

Talvez a única sigla que interesse nesse vocabulário limitado das sessões na Câmara de RP, são aquelas que descrevem o seu próprio partido político, seus acordos e silêncios. Triste capítulo da história da casa do povo de Ribeirão Pires, essa que fecha portas e janelas para o cidadão e sua opinião sobre a cidade.

Nenhum artista é contra o desenvolvimento econômico dos comerciantes, isso é importante salientar, nem contra a melhoria dos serviços ou contra a modernização do espaço, pelo contrário, os trabalhadores da Cultura querem estar presente nessa revitalização, querem participar desse crescimento e, por isso, o que era esperado minimamente seria uma contrapartida que incluísse o Fundo de Cultura, já que o setor será afetado diretamente por qualquer mudança no local. Por exemplo, uma alternativa seria uma garantia de editais remunerados para ocupação, que não tirasse mais um lugar de geração de renda de artistas e considerasse que aquele espaço barganhado é um posto de trabalho, que em momento nenhum poderia ter sido tão subestimado como foi nesse projeto de lei.

Praça Central, em Ribeirão Pires (Foto: Território Livre Fm)

Ribeirão Pires abraçou a Agenda 2030, exemplar na região ABCDMRR, um orgulho para os gestores e pode ser um benefício para os munícipes desde que entendida na sua amplitude. Não podemos ignorar a Meta 4.7 (ODS 4) que pede por uma educação que promova a cultura de paz e não violência, a valorização da diversidade cultural e da contribuição da Cultura para o desenvolvimento sustentável. Nessa meta podemos facilmente perceber o quanto um espaço público cultural é precioso. A rua, a praça, o palco aberto, tudo é o lugar onde a diversidade cidadã se encontra e deveria ser estimulado para conseguir uma formação cultural, que entende o que é o respeito a diversidade, a importância do convívio para promover uma cidade pacífica e proporcionar o acesso para todas e todos. Essa é uma das dimensões da Cultura na Agenda 2030 e será que Ribeirão Pires tem consciência do seu compromisso?

Quem dera aos artistas ribeirãopirenses que todo esforço em manter a cidade produtiva criativamente fosse reconhecido.

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